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Deveríamos desconfiar do que nos queixamos

  • Foto do escritor: Nathália Henriques
    Nathália Henriques
  • 5 de dez. de 2022
  • 2 min de leitura

Atualizado: 19 de dez. de 2022



Ao navegar nos mares do feminino, como não molhar os pés nas águas da histeria? Foram elas, afinal, que, lá em mil oitocentos e bolinha, nos prestaram - e emprestaram - o seu padecer convergido no corpo e sinalizaram um caminho para o inconsciente. Deram pistas de uma sexualidade intensamente rechaçada, escracharam um desejo recalcado que retornara, no corpo, desfigurado. Feito arte abstrata, nem todos conseguiam ler. Até que Freud, capturado pelo seu desejo, desvendou que a leitura daquelas mulheres incompreendidas pela medicina, só poderia ter função se fosse acompanhada da escuta. Escutar o sintoma, implicar-se com o desejo, estrear o inconsciente. Inaugura-se, assim, a psicanálise. O biológico cede o lugar ao corpo da linguagem, marcado por palavras, narrando uma estória. Esse abre aspas da imagem foi retirado de um texto encontrado no livro “O feminino que acontece no corpo” e conta os percursos e os percalços de uma analisante que vai se havendo com suas questões, até que, situada no tempo de concluir, solta essa fala. No seu modo de gozar, vocacionada pela estratégia de insatisfação do desejo na histeria, ela se (des)encontra em sua verdade. Desejar que o desejo se mantenha insatisfeito. Ela queixava-se sobre um abandono iminente que lhe acompanhara uma vida inteira. Ou era abandonada pelo homem amado ou ela mesma o abandonava. Em conflito com as suas motivações, contava que sempre escolhia os homens faltantes e recusava os que estavam disponíveis. “Por que escolho sempre o que não quero?”, “Por que decidi que fui abandonada?”, já atuando o sujeito do inconsciente, indagava-se. “Fazer tudo o que eu não queria talvez fosse para ter a satisfação de me ausentar, que era o que eu mais queria.” Touché. O que ela mais quer também é do que ela mais se queixa. A análise não se trata mesmo de compreender o querer do sujeito, de conformar-se com as queixas. Aquele que, atropelado e curioso pelo seu inconsciente, deve ser advertido: a análise contesta o querer, na mesma medida que aproxima-se do desejo que ele desvenda. Aqui querer não é poder, porque, em verdade, não é o que se deseja. Nem mesmo o desejo pode tudo.

 
 
 

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